22 de novembro de 2009

No Caracol


Sem pestanejar pegou sua casa e saiu mundo afora, nada na cabeça, para isso não poderia ter preocupações, se não, não faria, não havia sentido fazer, resolveu ser incoerente com tudo o que pregara até então, contudo estava feliz como nunca, sabia que não seria nada fácil, sua casa era mais pesada do que tinha calculado, era um amontoado de tranqueiras que só faziam trazer lembranças boas ou ruins, na verdade com o tempo as lembranças ruins também transformaram-se em boas pois foram aceitas como parte de um todo maior que é o presente, que em si não existe, mas que não cabe aqui divagar por essas besteiras, já que estava com o pé na rua, no asfalto quente de verão com sol a pino, e o suor já brotava na testa, a casa pesava como nunca, nela os talheres dentro das panelas balançavam como chocalhos num ritmo sincopado de samba, ele ia dançando sorridente apesar do peso que lhe doía nos ombros, a mesa arrastava-se de um lado a outro da cozinha que tinha leite no chão, pois a caixa aberta caíra quando este tropeçou em uma pedra, no toca discos disparou uma música estridente, um rock psicodélico dos fins da década de sessenta, o disco que ele mais gostava, e que acabou riscado, já ficava emputecido com tudo isso, não tinha que carregar tudo isso para sobreviver, as roupas no corpo já bastavam, queria explodir a casa que agora era um fardo sem propósito, uma coisa inanimada que não iria trazer-lhe nenhum prazer, decidido, parou, sentou, e tirou a casa das costas, finalmente livre...


Mas caracóis morrem sem suas casas.

Um comentário:

  1. Muito bom! Como nosso Brasil Varonil está cheio de caracóis, não?

    Abração!

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