23 de novembro de 2016

Resenha pseudo-crítica do “rascunhos para mais um ensaio sobre a loucura” de João da Silva

“Meu maior temor ao fazer esses quadrinhos – que são poesia, literatura, pontos de vista, bastante ignorância – é alguém tomar o que está aqui como uma verdade absoluta, um dogma, um caminho a se seguir sem autonomia.” - em alguma página do “rascunho 07”

Talvez autonomia seja uma ótima palavra para definir o caminho percorrido nos últimos anos por João da Silva na construção de seus “rascunhos para mais um ensaio sobre a loucura”. Por ser ele um grande amigo meu, de companherismo na vida e no trabalho cartunístico desde a constituição da finada Revista Miséria, pude acompanhá-lo em parte dessa jornada.

A ideia sempre foi, salvo engano, construir um panorama não formal, tendo em vista os moldes meramente acadêmicos, daquilo que se constitui como loucura a partir da leitura da antipsiquiatria. Tendo em vista o objetivo, a pesquisa e o trabalho de investigação a cerca desse vasto tema se deu como se deve dar em uma pesquisa como estas, na vida. Assim sendo, não se bastaram as leituras dos tidos intelectuais e especialistas no assunto, mas também, músicas, filmes, hqs, literatura e poesia se juntariam a essa jornada, não podendo nunca ser colocado de lado, as muitas conversas acaloradas nos bares, regadas sempre pelas cervejas mais baratas dos respectivos recintos.

Fato é que parte desse instigante trabalho ganhou forma há poucos meses com a caprichada publicação, no melhor estilo “rooteira”, desse primeiro volume dos “rascunhos...”. E que imenso prazer foi recebê-lo das mãos do autor-amigo. A leitura feita no melhor estilo “devora-te a ti mesmo” foi recheada pela sensação: “puta-que-o-pariu, depois disso minha carreira como cartunista não tem mais o porque de continuar, o Jão fez tudo! Vou me retirar no meio do mato e viver uma vida asceta em busca da paz interior” - invejinha boa a parte, a leitura foi deliciosa e podemos talvez nos deparar com o trabalho mais bem acabado, do ponto de vista da arte que este autor nos põe em mãos.

Cada traço está bem calculado, a sujeira nos quadros, característica de já alguns anos dos trabalhos de João da Silva está impecável. Pude presenciar parte do trabalho de feitura de algumas páginas desse livro-zine e ver que de muito suor e cachaça se faz uma boa página de hq.

Quanto aos 09 rascunhos que compõem essa obra, destaco o rascunho 04, “umbigolândia”, pela destreza do ser sintético e cortante sem utilizar ao menos um balão de fala, e o rascunho 06, “uma primeira vez”, roteiro há muito tempo colocado em cima da mesa, na época de Miséria e que finalmente ganhou forma, a extrapolação de uma sociedade um pouco diferente, mas tão igual àquela em que vivemos.

Como dito pelo próprio autor, nas palavras que repeti no ínicio dessa resenha, esses “rascunhos...” não devem ser lidos de maneira dogmática, não há verdade contida aqui e sim um trabalho de pesquisa e de opinião que visa refletir com seriedade, e porque não, poeticidade, um tema que pouco vemos aparecer no dia-a-dia, a loucura nossa de cada dia e o que limita essa loucura da loucura que deve ser encarcerada. Por que encarceramos nossos loucos?

Ficamos agora no aguardo de mais rascunhos de João da Silva, que eles venham na velocidade que se deve ser… que a ansiedade aguente essa espera e que possamos continuar cada um sendo loucos a sua maneira.

Como dizia o poeta: “Todo bairro tem um louco que o bairro trata bem, só falta mais um pouco para eu ser tratado também”.

Para conhecer os quadrinhos de João da Silva, clique AQUI!

(Eu e João da Silva e os "rascunhos..." - crédito da foto: Natália Schimiedecke)

Um comentário:

  1. Em matéria de "loucos", o meu bairro ( altura do KM 15 da Raposo T... )
    está cheio.

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