Intolerável... Bolsonaro permanecer no poder, junto de toda sua corja de cúmplices, é cada vez mais intolerável! Bolsonaro exerce um poder grotesco, um poder de morte, um poder de destruição de qualquer futuro por vir. Não queremos morrer. E vivos, queremos um lugar onde seja possível existir. Chega de aceitar seu deboche, bufão odioso – você mata! Mata agora, e também mata o futuro.
Intolerável!!!
Para pensar sobre o poder grotesco, segue algumas palavras de Michel Foucault, na primeira aula de seu curso Os Anormais, de 1974-1975:
Chamarei de "grotesco" o fato, para um discurso ou para um indivíduo, de deter por estatuto efeitos de poder de que sua qualidade intrínseca deveria privá-los. O grotesco ou, se quiserem, o "ubuesco" não é simplesmente uma categoria de injurias, não é um epíteto injurioso, e eu não queria empregá-lo nesse sentido. Creio que existe uma categoria precisa; em todo caso dever-se-ia definir urna categoria precisa da análise histórico-política, que seria a categoria do grotesco ou do ubuesco. O terror ubuesco, a soberania grotesca ou, em termos mais austeros, a maximização dos efeitos do poder a partir da desqualificação de quem os produz: isso, creio eu, não é um acidente na história do poder, não é uma falha mecânica. Parece-me que é uma das engrenagens que são parte inerente dos mecanismos do poder. O poder político, pelo menos em certas sociedades, em todo caso na nossa, pode se atribuir, e efetivamente se atribuiu, a possibilidade de transmitir seus efeitos, e muito mais que isso, de encontrar a origem dos seus efeitos num canto que é manifestamente, explicitamente, voluntariamente desqualificado pelo odioso, pelo infame ou pelo ridículo. Afinal de contas, essa mecânica grotesca do poder, ou essa engrenagem do grotesco na mecânica do poder, é antiquíssima nas estruturas; no funcionamento político das nossas sociedades. [...]
O grotesco é um dos procedimentos essenciais da soberania arbitrária. Mas vocês também sabem que o grotesco é um procedimento inerente da burocracia aplicada. Que a máquina administrativa, com seus efeitos de poder incontornáveis, passa pelo funcionário medíocre, nulo, imbecil, cheio de caspa, ridículo, puído, pobre, impotente, tudo isso foi um dos traços essenciais das grandes burocracias ocidentais, desde o século XIX. O grotesco administrativo não foi simplesmente a espécie de percepção visionária da administração que Balzac, Dostoievski, Courteline ou Kafka tiveram. O grotesco administrativo é, de fato, uma possibilidade que a burocracia se deu. "Ubu burocrata" pertence ao funcionamento da administração moderna, como pertencia ao funcionamento do poder imperial de Roma ser como um histrião louco. E o que digo do Império romano, o que digo da burocracia moderna, poderia perfeitamente ser dito de outras formas mecânicas de poder, no nazismo ou no fascismo. O grotesco de alguém como Mussolini estava absolutamente inscrito na mecânica do poder. O poder se dava essa imagem de provir de alguém que estava teatralmente disfarçado, desenhado como um palhaço, como um bufão de feira.
Parece-me que encontramos ai, da soberania infame da autoridade ridícula, todos os graus do que poderíamos chamar de indignidade do poder. Vocês sabem que os etnógrafos - penso em particular nas belíssimas análises que Clastres acaba de publicar - identificaram esse fenômeno pelo qual aquele a quem é dado um poder e, ao mesmo tempo, por meio de certo número de ritos e de cerimônias, ridicularizado ou tornado abjeto, ou mostrado sob um aspecto desfavorável. Será que se trata, nas sociedades arcaicas ou primitivas, de um ritual para limitar os efeitos do poder? Pode ser. Mas eu diria que, se são esses os rituais que encontramos em nossas sociedades, eles têm uma função bem diferente. Mostrando explicitamente o poder como abjeto, infame, ubuesco ou simplesmente ridículo, não se trata, creio, de limitar seus efeitos e descoroar magicamente aquele a quem é dada a coroa. Parece-me que se trata, ao contrário, de manifestar da forma mais patente a incontornabilidade, a inevitabilidade do poder, que pode precisamente funcionar com todo o seu rigor e na ponta extrema da sua racionalidade violenta, mesmo quando está nas mãos de alguém efetivamente desqualificado. Esse problema da infâmia da soberania, esse problema do soberano desqualificado, pensando bem, é o problema de Shakespeare; e toda a série das tragédias dos reis coloca precisamente esse problema, sem que nunca, acho eu, ninguém tenha elaborado a teoria da infâmia do soberano. No entanto, mais uma vez, em nossa sociedade, de Nero (que talvez seja a primeira grande figura iniciadora do soberano infame) até o homenzinho de mãos trêmulas que, no fundo do seu bunker, coroado por quarenta milhões de mortos, não pedia mais que duas coisas: que todo o resto fosse destruído acima dele e que lhe trouxessem, até ele arrebentar, doces de chocolate - vocês tem todo um enorme funcionamento do soberano infame.
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